domingo, 17 de maio de 2015

DICAS DE IÇAMI TIBA.

Nada é mais sustentável do que o aprendizado


Escritor recordista e palestrante reconhecido, o psiquiatra Içami Tiba se dedica a estudar e colocar em prática as melhores estratégias para orientar pais e educadores, no sentido de auxiliar a criação e a formação das crianças, adolescentes e jovens.


Seu livro mais recente - Educação Familiar - Presente e Futuro - apresenta o conceito de educação sustentável. Pode explicar em detalhes essa definição?

Tiba - Penso nesse conceito há dez anos. É muito simples: nada é mais sustentável do que o aprendizado. Então, sustentabilidade está em aprender algo útil, que pode ser utilizado para o restante da vida. No entanto, os pais não estão oferecendo condições para os filhos aprenderem para o futuro. Todos falam em sustentabilidade, mas não existe na educação familiar, porque a família já não é mais uma instituição sustentável. Os filhos não têm sustentabilidade própria, ou seja, não deixam a casa dos pais, mesmo depois dos 30 anos de idade. Não saem para trabalhar, preferem ser herdeiros e dependentes, ao invés de sucessores e emancipados. Os pais se preocupam em oferecer proteção, segurança e dar tudo o que eles querem, baseado no gosto das crianças e não na consciência do que elas podem aprender para o futuro, principalmente, numa visão de conflito imediato. Por isso, os filhos não respeitam os pais, enquanto educadores, e o mesmo acontece com os alunos no relacionamento com seus professores. No livro, eu procuro apontar a educação dos valores intangíveis, como ética, cidadania, honestidade, confiabilidade, empenho, respeito ao próximo, como sendo da responsabilidade da família, e os tangíveis, ou seja, os avaliáveis, mensuráveis, quantificáveis, como as matérias escolares, que são responsabilidades da escola. O ser humano saudável precisa dos dois valores. Às vezes, os filhos fazem escolhas erradas e os pais devem orientar para que eles assumam posições e não fiquem na dependência deles a vida inteira. Um exemplo é que as crianças precisam aprender a guardar seus brinquedos. É praticando que elas aprendem e não apenas vendo ou ouvindo. Não é dando broncas que se resolve a questão, mas dizendo calmamente 'Você tem que aprender!', sempre impondo o limite de não começar outra atividade, enquanto não guardar o brinquedo. Os pilares da educação sustentável são: quem ouve esquece, quem vê imita, quem justifica não faz, quem faz aprende, quem aprende produz, quem produz inova, quem inova sustenta e quem sustenta é feliz. Aliás, o conceito de felicidade não vem do latim e, sim, do hindu, e significa fértil. O filho sustentável é menos dependente e mais participativo, é visto como parceiro na família, com obrigações que devem ser assumidas. É preciso dar aos pais condições de se transformarem em educadores.

Os pilares da educação sustentável são: quem ouve esquece, quem vê imita, quem justifica não faz, quem faz aprende, quem aprende produz, quem produz inova, quem inova sustenta e quem sustenta é feliz. Aliás, o conceito de felicidade não vem do latim e, sim, do hindu, e significa fértil. O filho sustentável é menos dependente e mais participativo, é visto como parceiro na família

Como observa a questão da meritocracia na educação?

Tiba - A meritocracia é importante, traz muitos benefícios. Quando os filhos pedem alguma coisa, a tendência dos pais é dar o que eles pedem ou, então, ficarem quietos. O importante é que os filhos aprendam a pedir e não exijam. É fundamental impor limites para ensinar de verdade. Os pais esqueceram isso. Não é bom para ninguém quando os pais dão o mesmo presente para o filho que acertou e para o que errou. É preciso ser justo. Por exemplo, um dos filhos tem capacidade de ser um bom aluno, mas tira uma nota bem baixa na prova. No dia de comprar um presente, os pais levam a criança na loja para que a escolha. Caso ela opte por um produto que custe caro, os pais devem decidir por um mais barato, porque ela tirou nota baixa. Essa ideia faz com que criança perceba que precisa melhorar seu desempenho.

Em suas publicações e depoimentos, você dá um destaque especial para a influência da internet na vida moderna. Como lidar com essa questão, uma vez que crianças e adolescentes estão cada vez mais atraídos pelo universo digital e tudo o que ele oferece de positivo e negativo?

Tiba - Todos precisam entender que a internet é uma ferramenta, lida com aspectos de máquina do ser humano. Tecnicamente são máquinas. O problema é que ninguém está preparando a alma dessas pessoas que vão comandar as máquinas. Na web, os filhos têm um universo à frente em que não há barreira nenhuma, seja política, de idioma, geográfica. Por isso, é preciso cuidado. A escola, por exemplo, não sabe usar essa ferramenta. Os pais devem aproveitar o universo digital a serviço também da família. Tudo fica mais fácil se agregarmos o virtual à nossa vida presencial. Para tanto é necessário que os pais compreendam o virtual. É fundamental saber que o virtual é um recurso a mais para a felicidade, que é presencial. Não se pode ficar o dia inteiro no computador. Isso não é felicidade. É preciso criar condições para que eles aprendam a curtir presencialmente e não viver, simplesmente, curtindo o virtual dos outros.

Qual a importância da informação para os pais, no que se refere às diversas fases pelas quais passam os filhos, para uma criação bem-sucedida?

Tiba - É fundamental. Por isso, larguei a vida acadêmica. Deixei de ensinar Medicina, onde fiquei por 22 anos, e passei a tentar transmitir o que sei para os pais, que serão os educadores. Dedico- me a isso há 23 anos e sinto que é necessário, pois ninguém sente falta do que não conhece. Mas se existem informações a mais, que podem ajudar na busca por estratégias de ação, acho válido. Na verdade, ninguém está totalmente pronto, pois tudo pode ser aperfeiçoado. Os indivíduos se transformam em educadores, assim que nascem seus filhos, sem preparo nenhum. Adotam uma postura de saber o que é bom para o filho, sem quaisquer estudo, prática ou experiência. Para não errar é necessário se preparar para ser educador. Educação não é um processo emocional e, sim, racional, com regras muito claras criadas por pessoas que lidam com muita gente. Suas práticas são muito maiores e podem dar um horizonte e traçar projetos adequados a cada tendência dos filhos. Desta forma, os pais adquirem uma direção a seguir. É imprescindível ter referências.

Um das maiores saias justas que os pais encontram em se tratando de orientação aos filhos é em relação à presença das drogas na sociedade. Como observa essa questão? Como pais e escola devem abordar o tema?

Tiba - O vício é uma falência da felicidade. No início, todos procuram a felicidade. Alguém que é infeliz, consome drogas para ficar feliz. Quem é insatisfeito, usa para ficar satisfeito. O problema não é a droga, em si, mas a infelicidade, a insatisfação. A grande dificuldade é que o vício é o resultado dos prazeres conseguidos com sua utilização, que, com o tempo, perde seus efeitos e logo precisa de mais prazeres. A droga traz uma felicidade química, que vai embora logo e faz com que a pessoa sinta necessidade de aumentar a dose, para ter novamente a sensação, ou, então, mudar de droga. Os pais têm de impor aos filhos que existem coisas que eles só podem fazer ou experimentar quando forem adultos, pois nossa mente se vicia com o prazer. Ela se organiza para conseguir que seu dono busque mais prazeres, e o prazer conseguido funciona como recompensa desta busca. Portanto, a mente premia quem busca. Por isso, todos são viciáveis. A diferença está em quem controla esta busca. Hoje, um bom livro de educação de filhos precisa trazer referências sobre a prevenção contra drogas. Por isso, em todas as minhas obras, destaco um capítulo sobre o tema. Neste último, eu afirmo que a maconha faz mal, sem entrar na discussão de liberação ou se é crime ou não. O que digo é que faz mal e isto é um fato científico. A melhor proteção é fazer com que se pratique o que chamo de cidadania familiar em casa. Cidadania familiar se traduz no fato de que ninguém poder fazer em casa o que não é permitido fora dela. Os filhos são assumidos pelos pais, que são responsáveis por eles, enquanto são incapazes. O que acontece é que os pais incapacitam os filhos quando não os preparam para evitar as drogas, principalmente, a maconha. Um dos problemas principais é que a droga, hoje, virou um ponto de vista e não um problema de vício. Transformou- se, meramente, em uma opinião. Pelos conhecimentos médicos, independentemente das correntes a favor, opiniões pessoais de celebridades e formadores de opinião irresponsáveis, por deixarem de explicar a realidade médica da maconha, eu não sou a favor de nada que prejudique a saúde. 'Eu acho que não faz mal', dizem alguns. Entretanto, ela pode inibir sonhos, desejos, deixa a pessoa acomodada e tira a vontade própria. O uso indiscriminado leva à Síndrome Amotivacional, quando o usuário crônico não encontra motivação para fazer nada além de fumar maconha. Começa interrompendo atividades mais difíceis e acaba não conseguindo realizar nenhuma outra. Largam a higiene, as atividades diárias, não fazem as refeições com a própria família, abandonam a escola, o trabalho, a família e acabam se abandonando à prostração, sem motivação para viver. Portanto, o usuário da maconha perde a alegria de viver, os relacionamentos saudáveis, se liga aos demais usuários e se despersonaliza.
Todos precisam entender que a internet é uma ferramenta, lida com aspectos de máquina do ser humano. Tecnicamente são máquinas. O problema é que ninguém está preparando a alma dessas pessoas que vão comandar as máquinas. Na web, os filhos têm um universo à frente em que não há barreira nenhuma, seja política, de idioma, geográfica. Por isso, é preciso cuidado

As pessoas estão preparadas para lidar com as novas configurações familiares? Em relação ao papel do pai, nas classes mais baixas, é comum filhos não terem a figura masculina como referência. Com o aumento dos divórcios, outras classes sociais também passam por essa situação, pois a mulher que, geralmente, fica com a guarda, assume o papel de educadora, enquanto o pai pega os filhos a cada 15 dias apenas para passear. Isso influencia de que modo a criação?

Tiba - Tudo é tentativa. Os pais separados, hoje em dia, assumem mais os filhos do que antigamente. Antes, o filho ficava, invariavelmente, com a mãe e o sujeito virava um ex-pai, pois perdia totalmente o contato. Entretanto, a família é tão importante que o homem logo constituía outra. Isso está mudando. Os pais reivindicam mais tempo para os filhos. Os casais que tendem mais a entrar em conflito continuam a brigar, mesmo depois de separados, e acabam envolvendo os filhos, quando não os usam para interesses próprios em detrimento do outro. O número de alienação parental aumentou muito, principalmente da mãe contra o pai. Hoje, há uma grande quantidade de pais masculinos que reivindicam ficar com a guarda compartilhada ou total dos filhos. Mas, a tendência é que, cada vez mais, reine a paz entre os filhos e seus pais separados. 


A informação é fundamental. Por isso, larguei a vida acadêmica. Deixei de ensinar Medicina, onde fiquei por 22 anos, e passei a tentar transmitir o que sei para os pais, que serão os educadores. Dediquei a isso há 23 anos e sinto que é necessário, pois ninguém sente falta do que não conhece. Mas se existem informações a mais, que podem ajudar na busca por estratégias de ação, acho válido

Individualmente, qual o papel do casal moderno, num momento em que o machismo está cada vez mais agonizando e a mulher mergulha de cabeça no mercado de trabalho? Quais as diferenças na educação de meninos e meninas? Ainda hoje a menina é educada para casar, enquanto o menino para caçar. Qual sua opinião sobre esse tipo de educação tradicional?

Tiba - Observo que, hoje, há um fenômeno, alvo de considerações no meu livro mais recente: a mulher se emancipou do machismo, tem carteira de habilitação, trabalha fora de casa, ganhou liberdade, cartão de crédito e o próprio dinheiro, mas ela vira machista dentro de casa. Ela não coloca o marido para ajudar e acaba falando 'você não sabe fazer, deixa que eu faço'. Por isso, em muitos casos, o marido acaba se transformando em um filho mais velho. Costumo dizer que há sempre uma equação: junto com um folgado, tem um sacrificado, no caso, a mulher. Entretanto, é ela quem cria essa situação, interpreta o machismo em casa. É uma situação paradoxal, movida por um grande conflito da mulher.
A droga traz uma felicidade química, que vai embora logo e faz com que a pessoa sinta necessidade de aumentar a dose, para ter novamente a sensação, ou, então, mudar de droga. Os pais têm de impor aos filhos que existem coisas que eles só podem fazer ou experimentar quando forem adultos, pois nossa mente se vicia com o prazer
Foto: André Tiba

Como observa a questão da redução da maioridade penal?

Tiba - Para mim, a pena deve ser proporcional ao crime cometido. Matou, tem de arcar com as consequências do ato. Essa história de que o sujeito é menor de idade e não sabia o que estava fazendo não está certo.

Você já disse que a maioria dos pais que o procuram no consultório chega dizendo que seus filhos são problemáticos, mas que, na verdade, quem mais precisa de orientação são os próprios pais. Por que isso acontece?

Tiba - Estou desenvolvendo o que chamo de consultoria familiar, pois se falar em terapia o pai não aparece no consultório. O que acontece, quase sempre, é que ele é um homem de sucesso, realizado profissionalmente, um empresário que sustenta o filho, mas o problema é como esse pai vai entregar a empresa para o filho administrar no futuro? O resultado é que o patrimônio que o pai construiu em 30 anos vai à falência rapidamente. De quem é a culpa? Não é do filho e, sim, do pai que não soube educar e orientar. Esses pais se conformam em ver o filho passar onze anos na escola para virar um analfabeto funcional.
A mulher se emancipou do machismo, tem carteira de habilitação, trabalha fora de casa, ganhou liberdade, cartão de crédito e o próprio dinheiro, mas ela vira machista dentro de casa. Ela não coloca o marido para ajudar e acaba falando ' você não sabe fazer, deixa que eu faço'. Por isso, em muitos casos, o marido acaba se transformando em um filho mais velho

Na relação dos pais com os filhos, como fazer para não confundir amizade com permissividade?

Tiba - Não acho que o pai tenha de ser o melhor amigo do filho. Quando um pai me diz que é o melhor amigo do filho, eu respondo da seguinte forma: 'Então, seu filho não pode escolher nem os amigos?' É frequente, também, ouvir que o filho não sabe escolher os amigos, que os amigos não prestam. Pois, então, a conclusão que chego é que o filho não presta, também, porque a gente sempre se alia às pessoas com as quais temos afinidade, semelhanças. O pai precisar acordar.

Disciplina combina com educação? A falta dela seria um dos principais problemas na criação dos filhos?

Tiba - Para mim, disciplina é o fator que mais combina com a educação. É uma característica que você desenvolve para atingir o objetivo que deseja. Se você ama alguém, tem que ter disciplina. Os pais precisam fazer com que os filhos entendam que eles têm que cumprir sua parte para usufruir o amor. Os pais têm de exigir. O exigir é muito mais acompanhar os limites, aquilo que o filho é capaz de fazer. Não dá para exigir que ele vá pendurar roupas no armário se ele não pode arrumar uma gaveta. Por outro lado, os pais não podem fazer pelos filhos o que eles são capazes de fazer sozinhos. A partir daí, quando se cria segurança, a exigência começa a fazer parte da convivência. Essa exigência é boa. O pai não pode sustentar o f ilho e não receber um retorno. É como se ele comprasse uma mercadoria e não a recebesse.

Em sua opinião, o que é mais importante na educação das crianças e existe uma fórmula para educar bem?

Tiba - O mais importante é exigir que elas façam o que é necessário. Os pais dão tudo e depois castigam os filhos, porque eles fazem coisas erradas. Mas não é culpa dos filhos. Afinal, eles não querem estudar, porque estudar é uma coisa chata. Contudo, alguma vez, fizeram algo chato em casa? No final, a criança leva para a escola o que aprendeu em casa.

http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/107/artigo332616-1.asp

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