sábado, 28 de janeiro de 2017

ALFABETIZAÇÃO DE SURDOS

Ninguém fala a mesma língua sobre a alfabetização de surdos
O consenso a respeito da Educação para esse público só será possível quando discurso e prática estiverem ajustados
Ninguém fala a mesma língua sobre a alfabetização de surdos. Ilustração: Benett

  
Quando se trata de alfabetização de crianças e jovens surdos, não existe unidade no país. De um lado, há quem defenda uma Educação inclusiva em escolas regulares, sob o argumento principal de que a convivência com os demais alunos é fundamental ao desenvolvimento. De outro, está grande parte da comunidade surda, que crê que esse público está mais bem assistido, até ao menos o 5º ano do Ensino Fundamental, em instituições de ensino bilíngues, que têm a língua brasileira de sinais (libras) como primeiro idioma. Em um ponto, todos concordam: para que alunos com surdez aprendam a língua portuguesa, precisam ser alfabetizados em libras, e a escola tem um papel fundamental nesse processo.

O psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) afirma no livro A Formação Social da Mente (186 págs., Ed. Martins Fontes, tel. 11/3116-0000, edição esgotada) que a língua não é somente uma forma de comunicação mas também uma função reguladora do pensamento. Aprender a linguagem de sinais é, portanto, imprescindível para que a criança surda tenha plenas chances de se desenvolver. Como mostra o Programa de Avaliação Nacional do Desenvolvimento Escolar do Surdo Brasileiro (Pandesb), quem sabe libras aprende mais e melhor a ler e escrever em português. A prova mediu competências como compreensão de textos e de sinais e qualidade da escrita de mais de 9 mil estudantes com surdez em 15 estados.

É crucial, então, colocar em discussão as políticas necessárias para garantir esse aprendizado. A defesa da escola inclusiva, aberta a todos, tem como fundamento a noção de que o processo de desenvolvimento passa pelo convívio com as diferenças. Afinal, é na Educação Básica que se constrói o alicerce para uma sociedade também inclusiva. Em uma atuação pedagógica voltada a atender cada um - com variados ritmos e formas de aprendizagem -, são adotadas diversas estratégias de ensino benéficas a todos. A convivência possibilita aos ouvintes se apropriarem da libras, enquanto as crianças surdas criam outros meios de se comunicar para além da língua de sinais.
No âmbito político e pensando no que seria ideal para o país, temos de reivindicar escolas públicas para todos, capazes de incluir e garantir o aprendizado a cada aluno. O cerne da questão é como fazer com que isso funcione na prática e que medidas tomar enquanto os problemas não se resolvem. O discurso inclusivo, infelizmente, não veio acompanhado de políticas públicas que o viabilizassem, como investimento em formação adequada de professores para o ensino da libras. O Programa Nacional para Certificação de Proficiência no Uso e Ensino da Língua Brasileira de Sinais (Prolibras), do Ministério da Educação (MEC), por exemplo, certificou somente 6.507 profissionais entre 2006 e 2012, sendo que o país conta com mais de 2 milhões de professores.

Soma-se a isso a falta de intérpretes e a ausência de uma estrutura inclusiva nas escolas. Uma pesquisa realizada por Maura Corcini Lopes e Eliana da Costa Pereira de Menezes, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), mostrou que, de 466 alunos surdos contatados, 116 estudavam em 43 escolas inclusivas. Para atendê-los, havia só 23 intérpretes, sendo que 12 atuavam em outras funções, seis eram professores em sala e um trabalhava como itinerante. Em 74% das escolas, não havia outro surdo, além do aluno em questão.
Escolas bilíngues

Esses problemas dão força aos argumentos dos defensores da escola bilíngue em libras-português. O principal deles é que não existe na instituição pública regular uma Educação que trate libras como a língua materna desses alunos, apesar de a Lei nº 9394/96 e o Decreto Federal nº 5.626, de 2005, estabelecerem esse direito. Quando há o Atendimento Educacional Especializado (AEE), ele ocorre, na maioria das vezes, no contraturno e poucos dias por semana, tempo insuficiente para o aprendizado da libras como primeiro idioma. Sem desenvolver o conhecimento da língua materna, os gestos realizados pelo intérprete não passam de mais códigos sem sentido para a criança surda, assim como são as palavras e os números.

Além disso, o método de alfabetização adotado em muitas escolas é o fônico, apoiado nos sons das letras. Nesse caso, a tradução literal feita em sala por um intérprete não funciona. É necessário ensinar o português com uma metodologia condizente com as necessidades do aluno, mais apoiada no uso de recursos visuais.

Os problemas se refletem na baixa presença de crianças surdas nas escolas comuns. Embora as matrículas estejam aumentando, ainda são pouco significativas. De acordo com o Censo Escolar 2012, há 27.540 alunos com surdez matriculados em turmas regulares (leia o gráfico abaixo). Segundo o Censo Demográfico 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no entanto, há 800 mil pessoas surdas ou com deficiência auditiva até 17 anos no país.

Na tentativa de garantir a aprendizagem dessas crianças, a comunidade surda se agarra a um tipo de ensino voltado exclusivamente às necessidades delas. Por influência desse grupo, a meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2011-2020, em tramitação no Congresso, foi modificada, abrindo a possibilidade de atendimento em escolas bilíngues.

Essa opção, no entanto, não é a ideal, porque não garante o acesso a todos. Manter escolas bilíngues em todos os bairros do país é uma tarefa quase impossível e o acesso escolar é um direito. Além disso, priva a criança de conviver com o diferente. O melhor seria que as instituições regulares fossem capacitadas para atender a todos.

A solução, portanto, pressupõe a elaboração e implementação urgente de políticas públicas que deem suporte à inclusão de crianças surdas. A escola tem de se tornar uma comunidade bilíngue, com livros, filmes e outros materiais adaptados, sinalizações nas duas línguas, oportunidades de trabalho a funcionários surdos e realização de palestras e cursos de libras a todos. O primeiro passo é investir em formação de educadores, fazendo com que a libras seja parte do cotidiano, não se restringindo à sala de AEE. Enquanto o país postergar a adoção de tais medidas, a inclusão desses estudantes existirá apenas no discurso.

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