Por que temos tantos analfabetos no Brasil?
Poucos dados são tão fortes como a taxa de analfabetismo para nos fazerem pensar na importância da educação na vida de um indivíduo. Apesar de índices propriamente econômicos, como a taxa de desemprego e de qualidade de vida, por exemplo, também estarem ligados à escolaridade, quando pensamos que uma pessoa chega à vida adulta sem saber ler e escrever é que nos damos conta de quão absurdo – e cruel – é isso.
Neste mês, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgou dados sobre a situação da América Latina e do Caribe. Dentre os 139 países participantes do levantamento, apenas 39 cumpriram a meta da organização, que era reduzir em 50% os índices de analfabetismo até 2015. O Brasil, infelizmente, não está entre eles. Ou seja: estamos descumprindo mais uma meta. Mais do que isso: estamos descumprindo a nossa própria Constituição, que tem como um dos seus fundamentos a cidadania. Como ser um cidadão pleno sem conseguir ler o mundo à sua volta?
Como é possível que alguém viva, trabalhe e dê conta das atividades práticas do dia a dia sem entender o mundo que o cerca? Como pegar um ônibus, enviar uma mensagem por celular, entender um documento ou assinar um contrato? Se você está lendo este texto, com certeza não sabe como é viver dessa maneira, assim como eu também não. Mas 13 milhões de brasileiros sabem. Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad-IBGE), esse é o número de brasileiros com mais de 15 anos que se autodeclararam analfabetos em 2015. O total é maior que duas vezes a população de um país como a Escócia, por exemplo. A meta do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014, é erradicar o analfabetismo em sete anos. Lembrando que atualmente 92% da população brasileira está alfabetizada – dado obtido por autodeclaração, o que pode maquiar a verdadeira situação.
Explico: o IBGE, quando coleta os dados sobre analfabetos, pergunta a cada brasileiro se ele é alfabetizado ou não. Os dados são, portanto, baseados nessas declarações – não são questionados. Só que saber ler e escrever vai além de decifrar os códigos do nosso alfabeto: é preciso ter domínio pleno de habilidades básicas de leitura, escrita e matemática para interpretar o mundo à sua volta. Caso contrário, o indivíduo pode ser considerado analfabeto funcional. E é exatamente a medição de quantos brasileiros estão nessa situação que o Índice Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf) – iniciativa do Instituto Paulo Montenegro (IPM) em parceria com a Ação Educativa – realiza.
O Inaf é composto por entrevistas e aplicação de teste cognitivo a uma amostra da população brasileira entre 15 e 64 anos de todas as regiões do país, na zona urbana e rural. A ideia é avaliar a qualidade do letramento e do numeramento dos brasileiros. Os dados da última edição, de 2016, mostram, por exemplo, que apenas 11% dos entrevistados que eram empresários e empreendedores apresentavam o nível de proficiência mais alto, o que significa que nem mesmo quem chega aos cargos mais elevados pode ser considerado plenamente alfabetizado. Na economia rural, nos serviços domésticos e na construção civil encontramos as taxas mais altas de analfabetismo funcional: respetivamente, 70%, 42% e 41%.
Os motivos para os dados serem tão ruins são inúmeros, mas a resposta está na nossa história. O Mapa do Analfabetismo no Brasil, publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no início da década passada, mostra que a nossa herança vem da época colonial. O problema é que essas desigualdades provenientes das nossas origens ainda resistem, mesmo com a evolução das últimas décadas. Além disso, faltam políticas públicas eficientes que incidam de forma específica sobre as fatias da população que são público-alvo da Educação de Jovens e Adultos (EJA) – por exemplo, idosos, negros e pardos residentes em regiões de baixo desenvolvimento socioeconômico, como as zonas rurais.
O custo do analfabetismo é o custo de uma vida plena. É o custo da cidadania, da qualidade de vida e do desenvolvimento do indivíduo, que fica atado à negação de um direito que lhe é inato. É o custo moral de um país.
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