sexta-feira, 12 de junho de 2015

LITERATURA

Machado de Assis, um autor à frente de seu tempo

A obra de Machado continua a impressionar, mais de 100 anos depois de sua morte, por traçar um retrato crítico da sociedade brasileira de seu tempo e antecipar questões que parecem escritas para o leitor de hoje

27/09/2013 18h 31
O centenário da morte de Machado de Assis, em 2008, foi marcado por inúmeras homenagens a esse que é considerado o maior escritor brasileiro. Sua obra continua a impressionar o leitor de hoje porque, como dizem os críticos, parece ficar mais atual à medida que o tempo passa. Os textos de Machado abordam, com visão aguda e de forma elaborada, vários aspectos da vida humana.
É fácil perceber, em seus livros, a fina ironia e o senso de humor que não são deixados de lado nem mesmo quando se trata de assuntos graves. Essas características, que formam parte importante do legado do escritor, estão presentes com grande força em suas obras mais importantes, entre as quais os romances Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro.

Se atualmente a ficção de Machado é cada vez mais estudada e admirada, isso não significa que ele não tenha obtido também grande reconhecimento em vida. Seus contemporâneos admitiram o talento do autor, que foi dos mais respeitados na sociedade brasileira letrada do fim do século XIX e início do XX.

Sua própria trajetória de vida surpreende. De origem humilde, escreveu uma obra sofisticada, na qual transparece grande conhecimento acerca da literatura clássica e de alguns dos mais importantes escritores de sua época. Tanto em sua biografia quanto em sua obra, Machado de Assis parece desafiar os clichês e as frases feitas. 

PRIMEIROS PASSOS 
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839, filho de Francisco José Machado de Assis, pintor de paredes carioca, descendente de escravos mulatos alforriados, e de sua mulher, Maria Leopoldina, lavadeira portuguesa da ilha de São Miguel.
Teve uma infância difícil no morro do Livramento, onde foi criado. Perdeu a mãe bem cedo e depois a irmã mais nova. Quase mais nada se sabe de sua infância e adolescência, exceto que teria sido coroinha, auxiliando o padre nas missas rezadas na igreja da Lampadosa. Sem ter recursos para freqüentar boas escolas, dedicou-se a estudar como pôde. Era autodidata.

Ainda não havia completado 16 anos quando publicou o primeiro trabalho literário, na revista Marmota Fluminense. No número de 12 de janeiro de 1855, saiu seu poema Ela. Aprendeu os idiomas francês e inglês. Ingressou na Imprensa Nacional em 1856, como aprendiz de tipógrafo, e lá conheceu o escritor Manuel Antônio de Almeida. O autor de Memórias de um Sargento de Milícias se tornaria seu protetor. Depois, trabalhou como revisor e passou a escrever para vários órgãos de imprensa.

Em 1862 começou a colaborar em O Futuro, órgão dirigido por Faustino Xavier de Novais, irmão de sua futura mulher. Publicou o volume Teatro, que se compõe das comédias O Protocolo e O Caminho da Porta, em 1863, e seu primeiro livro de poesias saiu um ano depois, com o nome de Crisálidas.
Foi nomeado ajudante do diretor de publicação do Diário Oficial em 1867. Em agosto de 1869, o chefe e amigo Faustino Xavier de Novais morreu. Menos de três meses depois, em 12 de novembro de 1869, Machado de Assis se casou com a irmã dele, a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais. 

PUBLICAÇÃO EM JORNAIS E REVISTAS 
Incentivado pela mulher, lançou seu primeiro romance, Ressurreição, em 1872. Pouco depois, obteve a nomeação como primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. A carreira no serviço público foi, até o fim da vida, seu principal meio de sobrevivência. Mas manteve sempre a atividade jornalística, como redator de notícias e também como ficcionista. Boa parte de seus romances e contos, antes de serem publicados em forma de livro, foi editada em jornais e em revistas literárias em que Machado era colaborador.

Em 1881 saiu o livro que daria uma nova direção a sua carreira literária: Memórias Póstumas de Brás Cubas, que publicara em folhetins na Revista Brasileira, de 15 de março a 15 de dezembro de 1880, considerado o marco de início do realismo no Brasil.

Do grupo de intelectuais que se reuniam na redação da Revista Brasileira, surgiu a idéia de criação da Academia Brasileira de Letras (ABL), que Machado de Assis apoiou desde o início. Ao ser fundada a instituição, em 28 de janeiro de 1897, foi eleito seu presidente. Dedicou-se à ABL até morrer.

A obra de Machado de Assis impressiona por abranger praticamente todos os gêneros literários. Na poesia iniciou com o romantismo de Crisálidas (1864) e Falenas (1870), passando pelo indianismo em Americanas (1875) e pelo parnasianismo em Ocidentais (publicado pela primeira vez no volume Poesias Completas, em 1901).

Ao mesmo tempo, lançou as coletâneas Contos Fluminenses (1870) e Histórias da Meia-Noite (1873), entre outras, e os romances Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878), que foram considerados do seu período romântico.

Suas obras-primas vieram em seguida: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908). Em 1904 morreu a fiel companheira e incentivadora Carolina Xavier de Novais, a quem ele dedicou um de seus melhores poemas, Carolina. Doente, solitário e abatido com a perda da mulher, Machado de Assis morreu em 29 de setembro de 1908, de câncer, em sua velha casa no bairro carioca do Cosme Velho. 

ROMANTISMO X REALISMO? 
Machado de Assis ocupa lugar único na literatura brasileira. Em sua época, foi algumas vezes criticado porque se dizia que não abordava as grandes questões sociais e nacionais. Posteriormente, novos estudos fizeram uma reavaliação de sua obra, que é vista agora como extremamente crítica e expressiva de transformações profundas na sociedade brasileira a partir do fim do século XIX.

É a sua genialidade que levou muitos especialistas a dizer que Machado talvez seja mais compreendido pelo leitor de hoje, 100 anos depois de sua morte, do que por seus contemporâneos.
O lugar diferenciado deve-se também à impossibilidade de rotular Machado, de forma estrita, em uma corrente literária. Como foi dito, seus primeiros romances são em geral identificados com o romantismo. No entanto, essa classificação é problemática, porque passa uma visão estreita a respeito de uma obra bastante complexa.

Lidos com atenção, há em seus romances iniciais várias indicações de que se trata de um escritor com grande consciência de um projeto literário mais amplo, que, já naquele momento, ultrapassava o horizonte dos autores do romantismo. As histórias ditas românticas esboçam várias das questões que Machado viria a desenvolver nas obras chamadas de realistas. É o caso dos temas da ascensão social, do ciúme e do papel subalterno que a sociedade patriarcal reservava à mulher.

Félix, personagem principal de Ressurreição, primeiro romance do escritor, contém várias das características do homem conservador e inseguro que se verá, de forma mais acabada, em Bento Santiago, protagonista de Dom Casmurro. Ambos são figuras que expressam grande temor diante de situações novas às quais estão confrontados, como a emergência de mulheres independentes, que têm opinião própria e abalam seu velho mundo.

No próprio prefácio de Ressurreição, Machado estabelece distância da narrativa romântica convencional ao escrever: “Não quis fazer romance de costumes; tentei o esboço de uma situação e o contraste de dois caracteres; com esses simples elementos busquei o interesse do livro”.

De maneira sutil, mas firme, o escritor chama atenção aqui para o fato de que seu objetivo é aprofundar as características dos personagens e das situações por que passam, e não simplesmente entreter o leitor. De todo modo, as metas ambiciosas de Machado não o levaram a se distanciar do público, que recebeu bem a obra desde o lançamento. A crítica da época também fez elogios ao romance. 

AMPLITUDE DE QUESTÕES 
Os livros de sua fase madura, a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas, antecipam procedimentos e temas que só viriam a se desenvolver plenamente no modernismo. Neles, revela-se um autor com pleno domínio de elementos narrativos, como o monólogo interior, além do desenvolvimento de temáticas, como a situação do agregado e dos tipos que compõem a classe dominante brasileira.

Um dos pontos altos de sua obra, destacado por leitores comuns e críticos, é a análise que faz da alma humana. Pode-se dizer que o Rio de Janeiro de Machado era diferente do de hoje, mas aspectos da natureza do homem não mudaram: ele continua a ser egoísta, vaidoso, indeciso e repleto de complexos. Por isso tudo, a classificação de Machado de Assis como escritor realista tem uma função didática, porque o situa no período histórico em que viveu e escreveu, mas não dá conta da amplitude de questões abordadas em seus livros. Esse é, aliás, um bom exemplo de como não basta saber a que escola literária determinado autor está vinculado para conhecer de fato sua obra. Cada escritor tem sua especificidade e nada substitui a leitura direta de seus textos. Isso é ainda mais válido no caso de um grande autor.

Machado de Assis é considerado um dos grandes autores da literatura de língua portuguesa. Sua obra, que serve de inspiração para muitos outros artistas, foi e continua sendo adaptada em trabalhos para a TV, o teatro e o cinema.

A obra de Machado de Assis
ROMANCES 
Ressurreição (1872); A Mão e a Luva (1874); Helena (1876); Iaiá Garcia (1878); Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881); Quincas Borba (1891); Dom Casmurro (1899); Esaú e Jacó (1904); Memorial de Aires (1908). 

CONTOS 
Contos Fluminenses (1870); Histórias da Meia-Noite (1873); Papéis Avulsos (1882); Histórias sem Data (1884); Várias Histórias (1896); Páginas Recolhidas (1899); Relíquias da Casa Velha (1906). 

POESIA 
Crisálidas (1864); Falenas (1870); Americanas (1875), Poesias Completas (1901). 

TEATRO 
Desencantos (1861); Quase Ministro (1862); O Caminho da Porta (1863); O Protocolo (1863); Deuses de Casaca (1866); Tu, Só Tu, Puro Amor (1881); Não Consultes Médico (1896); Lição de Botânica (1906).

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