sábado, 18 de agosto de 2018

INCLUSÃO ESCOLAR



Educação inclusiva: o que é e como fazer direito (e bem feito)

"É dever da escola tratar com igualdade alunos com e sem deficiência”, diz Marta Gil, coordenadora do projeto "Práticas e Desafios da Educação Inclusiva".
A Educação inclusiva diz respeito a atender às necessidades especiais que todos os alunos possam ter em algum momento de sua vida escolar, transformando a escola em um espaço para todos. O Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece que essa inclusão atravessa todas as etapas de ensino, da Educação Infantil ao Ensino Superior. A regulamentação ainda define que o atendimento educacional especializado (AEE) e a disponibilização de serviços e recursos para orientar os alunos e professores do ensino regular a esse respeito são premissas da Educação brasileira.
Alunos com alguma deficiência, seja ela intelectual, mental, física, auditiva, visual e múltipla devem ter acesso a recursos diferenciados identificados como necessidades educacionais especiais (NEE). Mas qualquer adaptação ou adequação não pode ser caracterizada como um plano paralelo ao currículo escolar aplicado a todos os alunos. O ensino de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização, no caso da deficiência visual e auditiva, adaptações do material e do ambiente físico, no caso da deficiência física, e estratégias diferenciadas para adaptação e regulação do comportamento, no caso do transtorno global, são alguns exemplos de meios para garantir os direitos desses estudantes nas escolas.
Mesmo diante de algumas normas já existentes sobre a Educação Inclusiva no Brasil, algumas dúvidas ainda permanecem para professores e diretores que recebem alunos com deficiência em suas instituições de ensino. A seguir, reunimos algumas dúvidas e conversamos com especialistas. Veja as respostas:
Quem é responsável pelas adaptações de atividades e avaliações?
Marta Gil é coordenadora do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas e do projeto "Práticas e Desafios da Educação Inclusiva" e explica que qualquer professor da escola pode identificar uma necessidade especial e aplicar uma ideia que esteja de acordo com as normas vigentes. “Mas já existem os professores especializados que atuam nas Salas de Recursos Multifuncionais, lugar construído para atender às necessidades especiais, e eles podem discutir junto com todo o corpo docente sobre as adaptações para cada aluno”, diz. A lei diz que esse espaço deve ser usado no contraturno de aulas: se um aluno que necessita desses recursos estuda de manhã, ele deve utilizá-los na parte da tarde, por exemplo. “Em conjunto com o professor especializado, é feito um planejamento sobre quantas vezes esse aluno frequentará a sala. É sempre recomendável que os professores e gestores conversem”, defende Marta Gil.
Todos os alunos que possuem um transtorno ou deficiência têm direito a realizar atividades ou avaliações adaptadas? 
A Convenção Internacional da Pessoa com Deficiência determina que pessoas que possuem deficiência ou transtorno têm direito ao acesso à Educação, o que também contempla o direito de aprender. “Assim, se for necessário adaptações para isso, elas são garantidas por lei, uma vez que as definições dessa convenção têm status de emenda constitucional no Brasil”, explica Renata Flores, defensora pública do Estado de São Paulo e Coordenadora do Núcleo Especializado dos Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência. Os impedimentos que alunos com deficiência possuem são definidos também pelas barreiras que eles encontram nas escolas e que acabam por impossibilitar a participação em igualdade. “Um aluno com paraplegia nas pernas, que precisa de cadeira de roda, tem que poder ter acesso à sala de aula que fica no segundo andar. A escada, nesse caso, se configura como uma barreira”, afirma. Renata explica que deficiente é o meio e não a pessoa, uma vez que a deficiência deixa de ter impacto se a barreira for eliminada.
É permitido alterar a permanência no ambiente escolar e o currículo do aluno com deficiência?
O Ministério da Educação (MEC) recomenda que, na medida do possível, se mantenha o mesmo currículo aplicado a todos os alunos, mas com adaptações e adequações necessárias. “Nas provas, deve-se respeitar as características dos alunos, como maior tempo para fazê-las ou a utilização de computador com recursos de acessibilidade”, diz a coordenadora do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas. Marta também exemplifica que a aplicação de portfólios pode ser interessante para alguns alunos com deficiência. “Eles dão um retorno sobre o processo do desenvolvimento desse estudante inclusive para a família, para além do certo e errado. É uma avaliação qualitativa, entendendo como foi construído o raciocínio, comparando o antes e o agora”, ressalta.
Existem casos específicos que precisam ser encaminhados à Secretaria da Educação? Em quais situações?
Sempre que o professor identificar que não estão disponíveis os apoios necessários para todos os alunos, a escola deve solicitá-los à Secretaria de Educação. “É o caso da instalação da Sala de Recursos Multifuncionais, que demorava mais no passado e hoje está ficando mais simples, pelo menos em São Paulo”, afirma a coordenadora do Núcleo Especializado dos Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência. Diálogo, portanto, é fundamental. Renata afirma ainda que existe verba federal para esses serviços, mas a falta deles ainda é a principal reclamação feita por gestores de escolas. “Fazer o plano de Atendimento Educacional Especializado (AEE) é o primeiro passo e, depois, pensar em uma pedagogia individualizada, que abrange as competências necessárias do currículo e possibilita saber quem é esse aluno’, afirma  Renata, mostrando que somente por meio desse caminho pode se identificar a necessidade de maiores adaptações e recursos.
Quais alunos com deficiência possuem direito a um acompanhamento integral no ambiente escolar?
“Existe a lei que permite um acompanhante para o aluno com autismo, por exemplo, mas é preciso comprovar a necessidade. O MEC não fala como, além da lei não definir qual a formação desse acompanhante”, afirma Renata. Diante desse cenário, a defensora pública relembra a importância das avaliações internas da escola para concluir a exigência desse acompanhante. “Como saber se o aluno realmente precisa dele? Somente através de avaliações feitas com o aluno”, pontua. A defensora também enfatiza a existência do profissional de apoio escolar, que se assemelha mais a um cuidador desses alunos, atentando para as necessidades com a locomoção e higiene.
É permitido aos pais pagarem por acompanhamento em tempo integral para os seus filhos no ambiente escolar, independente da deficiência?
A defensora pública ressalta que as escolas não podem cobrar nada por essa necessidade, inclusive as particulares. “O STF decidiu que é obrigação da escola incluir os acompanhantes quando necessário”, enfatizando que, às vezes, os gestores acham que são necessárias grandes adaptações mas, dependendo das avaliações das condições do aluno, não são. “O olhar para a diversidade é sempre preciso, inclusive para se pensar o orçamento da escola”, conclui.
Existe uma lei que orienta a conduta do professor no momento da avaliação sobre a condição e característica do aluno com deficiência?
O professor de AEE é especialista em tudo que envolve alunos com deficiência. Se o profissional tem uma boa formação, é o melhor dos mundos, mas o contrário também é verdadeiro. “Os professores não saem do curso de Pedagogia com todas as informações sobre Educação Inclusiva, então a formação não garante a adaptação”, ressalta Renata. A defensora pública lembra que existem algumas orientações do MEC sobre como lecionar para esse alunos, mas não são realmente suficientes. “Não existe nenhum sistema de ensino de comunicação alternativa e bibliografia oferecida para os professores”, afirma. Assim, Renata diz que a formação continuada e à distância, muitas vezes, é a saída encontrada por algumas redes de ensino para a formação dos profissionais. “Estamos em um momento de transição, nem a carteira das escolas é acessível para todos”, diz. “Os professores precisam buscar essas informações no dia a dia da escola”.
Alunos com TDAH e dislexia podem fazer prova oralmente?  
O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) era sinônimo de incapacidade nas escolas do passado, mas isso acontecia porque não se via a possibilidade de mudar as formas de aplicação dos processos educacionais. “Se para um aluno com TDAH for penoso fazer uma prova escrita, por que não fazer essa adaptação? De novo, é preciso avaliar essas condições”, afirma a coordenadora do Amankay, demonstrando que o tratamento “desigual” é para igualar as oportunidades e acessos, não para privilegiar ninguém. “É fazer a mesma prova de uma forma diferente, não são conteúdos diferentes”, enfatiza Marta.
Quais deficiências exigem consulta durante os trabalhos avaliativos, como livros e calculadora? 
Renata ressalta que esses recursos não são delimitados por deficiência e sim por adequação ao conteúdo proposto e à necessidade de cada aluno. “Vai depender de cada caso, é isso que os professores precisam saber”, pontua a defensora pública. Segundo ela, não existem regras padronizadas para todos os alunos com deficiência. Marta também lembra que o site Diversa, do Instituto Rodrigo Mendes reúne várias questões a respeito da Educação Inclusiva em fóruns, alimentados constantemente por pais e professores do Brasil, e respondido por especialistas do tema. “As especificidades de cada condição são muito pautadas lá”, diz.
A Escola pode solicitar aos pais materiais para serem utilizados na Sala de Recursos Multifuncionais para as atividades do seu filho?
“O princípio básico é que é dever e função da escola tratar com igualdade alunos com e sem deficiência”, afirma a coordenadora do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas. Com isso, as instituições de ensino não podem exigir que os pais paguem o profissional de apoio. Inclusive há uma resolução da Justiça que determina essa questão, de acordo com Marta.
Como preparar um currículo de um aluno com deficiência matriculado no Ensino Médio, mas ainda no processo de alfabetização?
A coordenadora do Amankay afirma que pode ser um erro deixar que alunos não alfabetizados cheguem ao Ensino Médio, sejam pessoas com deficiência ou não. “É muito complicado a aprovação nesses casos, o diploma pode não ter sentido”, enfatiza. Como muitos professores e gestores não recebem a formação adequada para lecionar para esses alunos, pode acontecer essa distorção e é preciso se atentar a essas situações, diz Marta.
Em um turma de classe regular, quantos laudos são necessários para se ter o apoio de um auxiliar para a turma? 
Cada município e estado faz isso de forma diferente. Em São Paulo, a determinação é seguir o perfil de apenas um aluno com deficiência, se for necessário, afirma Renata. A defensora pública também ressalta que em outros lugares, a demanda fica restrita ao auxílio na locomoção e alimentação de mais de um estudante. “Outras redes preferem o apoio maior na parte pedagógica”, pontua, mostrando que sobre essa questão ainda não há uma norma padronizadora para todo o país.

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