Apenas um quarto da população consegue compreender textos longos e resolver contas de matemática mais complexas"
"Em dez anos, o índice de analfabetismo no Brasil caiu pela metade. Mas se no entendimento básico de português e matemática o país conseguiu avançar, no domínio pleno ele está estagnado. Segundo dados do Indicador do Alfabetismo Funcional (Inaf) 2011-2012, pesquisa produzida pelo Instituto Paulo Montenegro e a organização não governamental Ação Educativa, o porcentual da população que consegue desenvolver atividades mais complexas, como interpretar textos longos, comparar informações e interpretar tabelas, mapas e gráficos, se manteve no ano passado com os mesmos 26% registrados em 2001.
Para educadores, o problema está essencialmente na falta de qualidade do ensino. Com professores mal formados e uma escola despreparada para focar na dificuldade de aprendizado, os alunos não conseguem avançar nos estudos e deixam a escola dominando apenas a leitura de textos curtos e médios, e operações simples de matemática, que não envolvem mais de uma etapa.
Essa falta de preparo do docente tem duas causas: a facilidade para ingressar nos cursos de licenciatura e uma formação defasada, que não faz o professor levar em conta as diferentes realidades do aluno na hora de ensinar. No primeiro caso, como os cursos de formação de professores são pouco concorridos e os salários da carreira muito baixos, a profissão atrai estudantes menos preparados, que tiveram péssima formação no ensino básico.
Para complicar, os docentes não conseguem passar o conteúdo de forma atrativa, que permita ao aluno perceber para que serve o que está aprendendo. Isso ocorre em países modelos em educação, como a Finlândia, que foca no ensino que leva em conta características individuais.
“Por isso, nos últimos anos do ensino fundamental e nos primeiros do ensino médio, quando justamente os assuntos são mais densos e multidisciplinares, o currículo deixa de ser atraente e o aluno não vê sentido em frequentar a escola”, avalia a psicopedagoga e professora do departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Evelise Portilho.
Prova disso é que os índices de aproveitamento de matemática e leitura não evoluíram nessas séries. Eles são os mesmos há 13 anos e ficam em torno de 14%, de acordo com dados do programa Todos pela Educação. Um de seus conselheiros, o professor Mozart Neves Ramos, explica que os esforços do governo se concentraram em trazer mais gente para a escola e aumentar os anos de estudo, que saltaram de uma média de 5 para 7,2 anos, mas deixaram de lado o desempenho, principalmente nos conteúdos mais difíceis.
Outro fator que contribui para a má qualidade do ensino é a falta de uma formação continuada adequada para o professor. Embora governos federais e estaduais ofereçam programas de capacitação aos docentes, eles não só são fracos e insuficientes como muitas vezes não são levados a sério. “Os que efetivamente se interessam pelos cursos são os docentes bons, que são a minoria. O resto está lá para conseguir o diploma e ser promovido e não para aprender”, diz o consultor educacional Renato Casagrande.
Baixa repetência mascara ensino de má qualidade
Se a baixa qualidade do ensino brasileiro é percebida pelos índices de domínio pleno, ela é mascarada por outros indicadores, como a reprovação. Ou seja, enquanto 65% da população com ensino médio não é plenamente alfabetizada, apenas 13,1% reprovam nessa etapa.
Para os educadores, a situação é reflexo de uma opção do Ministério da Educação (MEC) – que se concretizou na redução da média para aprovação e recuperação bimestral no lugar da anual – em aprovar o aluno para reduzir os índices de evasão em vez de se preocupar com qualidade e efetividade do aprendizado. Com uma média baixa para ser aprovado (nota 5), muitos alunos passam de ano sem aprender. “Vamos empurrando o estudante de uma série a outra para engordar os índices dos que concluem a escola, mas eles saem sem aprender, sem qualquer domínio”, diz o consultor educacional Renato Casagrande.
Desilusão
A doméstica Aparecida Bonfim é um exemplo de que aprovação não significa domínio do conhecimento. Há dez anos, ela, que tinha abandonado os estudos na antiga 3.ª série, voltou a estudar. Em pouco tempo, estava no ensino médio. “Os professores me aprovavam, só que eu não sabia nada. Na minha sala todos colavam, mas não me sentia confortável com isso. Queria aprender de verdade, mas não consegui.” Ela lembra que até em inglês, disciplina da qual não sabia uma palavra, foi aprovada. A falta de seriedade levou Aparecida a largar os estudos mais uma vez."
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