MP 746/2016
O governo federal encaminhou ao Congresso Nacional, no dia 22 de setembro, a Medida Provisória (MP) 746/2016 para reestruturação do ensino médio. A mudança chamou atenção e provocou discussões no país ao incluir a possibilidade de escolha de diferentes trilhas de formação tradicional e técnica, educação integral e autorizar a contratação de professores sem licenciatura, mas que apresentem "notório saber".
O que está em discussão?
Saiba quais são as principais mudanças previstas na MP:
- Promove alterações na estrutura do ensino médio, última etapa da educação básica, por meio da criação da Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.
- Amplia a carga horária mínima anual do ensino médio, progressivamente, para 1.400 horas.
- Determina que o ensino de língua portuguesa e matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio.
- Restringe a obrigatoriedade do ensino da arte e da educação física à educação infantil e ao ensino fundamental, tornando as facultativas no ensino médio.
- Torna obrigatório o ensino da língua inglesa a partir do sexto ano do ensino fundamental e nos currículos do ensino médio, facultando neste, o oferecimento de outros idiomas, preferencialmente o espanhol.
- Permite que conteúdos cursados no ensino médio sejam aproveitados no ensino superior.
- O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular - BNCC e por itinerários formativos específicos definidos em cada sistema de ensino e com ênfase nas áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional.
- Dá autonomia aos sistemas de ensino para definir a organização das áreas de conhecimento, as competências, habilidades e expectativas de aprendizagem definidas na BNCC.
Temer defende a reforma do ensino médio em discurso. Foto:Beto Barata / PR
Ao publicar a MP, no entanto, ficou estabelecido que a questão será decidida pela Base Nacional Comum Curricular, que ainda não foi definida. Por enquanto, essas disciplinas continuam obrigatórias nos atuais currículos. A Base Nacional Comum Curricular é um documento que tem o objetivo de nortear e definir o conteúdo que os alunos deverão aprender a cada etapa de ensino. A base específica para o ensino médio começará a ser discutida em outubro, de acordo com o Ministério da Educação (MEC) e deverá ser finalizada até meados do ano que vem.
A reforma do ensino médio passou a ser priorizada pelo governo após o Brasil não ter conseguido, por dois anos consecutivos, cumprir as metas estabelecidas. De acordo com dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que mede a qualidade do ensino no país, o ensino médio é o que está em pior situação quando comparado às séries iniciais e finais da educação fundamental: a meta do ano era de 4,3, mas o índice ficou em 3,7.
Atualmente, o ensino médio tem oito milhões de alunos, número que inclui estudantes das escolas pública e privada.
Vinte e três estados já confirmaram que vão participar da Política de Fomento à Implantação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, de acordo com o secretário de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Rosseli Soares. A expectativa do secretário de Educação Básica é que todos os estados manifestem interesse em aderir à política. Pelo Plano Nacional de Educação (PNE), até 2024, 50% dos matriculados cumprirão jornada escolar em tempo integral de, no mínimo, sete horas por dia. De acordo com o MEC, a pasta investirá R$ 1,5 bilhão para ofertar o ensino integral a 500 mil jovens até 2018.
O MEC vai repassar aos estados R$ 2 mil ao ano por aluno da educação integral pelo período de quatro anos. Rosseli Soares disse que esse é um recurso para fomentar a implementação da educação integral e a ideia é que, durante esse período, os estados se planejem para assumir as despesas.
Protestos
Um projeto de lei que tramitava na Câmara dos Deputados já previa algumas das mudanças no currículo do ensino médio. A edição de medida provisória foi criticada por grupos e entidades ligadas à educação, que defendem uma maior discussão das mudanças.
Mais de 600 escolas no Paraná aderiram aos protestos contra a MP, segundo a União Paranaense de Estudantes Secundaristas (UPES) nove universidades e dois Núcleos de Educação também estão ocupados. O movimento Ocupa Paraná anunciou que pretende ocupar mais escolas para pressionar o governador do estado, Beto Richa, a realizar uma conferência em que os estudantes poderão apresentar uma contraproposta à MP do Ensino Médio . Além da mobilização dos estudantes, os professores do estado decidiram entrar em greve. Os docentes criticam a reforma no ensino médio e a proposta de emenda à Constituição 241/2016, que restringe os gastos da União, além de pedirem melhores condições de trabalho.
Além dos alunos do Paraná a Medida provisória do Novo Ensino Médio sofreu resistência na primeira audiência pública na Comissão de Educação na Câmara dos Deputados. Entidades da sociedade civil presentes pediram a rejeição da MP, tanto pela falta de discussão quanto pelo conteúdo. Os profissionais de São Paulo também criticaram a medida. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) divulgaram no último dia 30 um manifesto contra a MP do Ensino Médio durante evento na capital paulista, que reuniu profissionais e entidades nacionais e estaduais, além de órgãos do magistério por web-conferência.
O manifesto repudia a iniciativa do governo federal de promover, por meio da Medida Provisória 746/2016, uma reforma no Ensino Médio sem que houvesse debate ou consulta à sociedade. A MP reestrutura e flexibiliza o ensino médio no país e foi anunciada pelo governo federal no dia 22.
Urgência
A secretária-executiva do MEC, Maria Helena Guimarães, defendeu a urgência de uma reforma como justificativa para a edição de uma MP e ressaltou que a questão é discutida há anos. "A ideia de MP foi no sentido de coroar o processo de debate intenso que há muito se arrasta no Brasil". Ela destacou também a importância de aprimorar a MP com o debate no Congresso.
Maria Helena Guimarães disse que as disciplinas não foram excluídas e sim que a MP transferiu para a Base Nacional Comum Curricular - que está atualmente em discussão - o que deverá ser ensinado nas escolas. De acordo com o MEC, não há sinalização que os conteúdos deixarão de fazer parte do ensino médio ou que serão retirados da Base, que definirá também as diretrizes da formação dos professores. Mais cedo, em coletiva de imprensa, Maria Helena ressaltou que a MP só será colocada em prática a partir de 2018, que isso só ocorrerá após a aprovação da Base.
A partir de quando o ensino médio vai mudar?
As mudanças seriam implementadas somente a partir de 2018, de acordo com o texto da MP, no segundo ano letivo subsequente à data de publicação da Base Curricular, mas podendo ser antecipado para o primeiro ano, desde que com antecedência mínima de 180 dias entre a publicação da Base Nacional e o início do ano letivo. Ou seja, nada muda nos atuais currículos.
A expectativa é de que essas mudanças comecem a ser aplicadas a partir de 2017, de acordo com a capacidade de cada rede de ensino. A MP do Ensino Médio já recebeu mais de 560 propostas de mudanças no texto.
Educação 'está na UTI', diz Cristovam em audiência sobre 20 anos da LDB.
Ao conduzir audiência pública sobre os vinte anos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nesta quarta-feira (30), o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) comparou a situação atual da educação no país com a de um doente em unidade de terapia intensiva. A situação ainda é mais grave, no seu entender, pelo alto grau de polarização que percebe tanto entre os educadores quanto na sociedade como um todo.
— Estamos numa UTI num navio avariado, com a tripulação amotinada e dividida, baseada em conceitos falsos, e no meio de um tsunami — comparou Cristovam na audiência promovida pela Comissão de Educação, Esporte e Cultura (CE).
Um dos participantes da audiência, o professor Ademir Almagro, que tem 25 anos de experiencia na rede municipal de ensino de Belo Horizonte, lamentou que o dinheiro destinado ao setor ainda seja percebido em nosso país como "um gasto" e não como "um investimento no futuro".
Ele criticou a maneira pela qual a Medida Provisória do Ensino Médio (MP 746/2016) estabelece o ensino em tempo integral. Ele afirmou que apoia o aumento da carga horária, mas ponderou que a medida estaria sendo instaurada sem nenhum planejamento específico ou estrutura pedagógica, funcional ou de investimentos com este fim.
— Agora estão falando de 8 horas, vai lá e cumpra-se. Sem nenhuma estrutura, sem nenhuma diretriz de gestão. Eu vou ser professor de teatro, de artes cênicas? É algo fora da realidade e feito sem diálogo — criticou Almagro, para quem a evasão escolar aumentará com esta medida.
Transformação do modelo
Outro participante, o professor Carlos Sávio, da Universidade Federal Fluminense (UFF), avalia que tanto ativistas quanto os gestores da área ainda sofrem da "obsessão" de incluir estudantes ou aumentar verbas num modelo "horrível", quando o foco deveria ser "transformá-lo".
Ele também acredita que o país sofre de uma "loucura anti-corrupção", em que um prefeito ou um secretário pode ser afastado por desvio de verbas, mas nada acontece se eles forem péssimos gestores.
— É obvio que quem é ladrão tem que ser afastado, mas o problema sistêmico da educação brasileira se dá na incompetência, não na corrupção, embora ela exista — disse.
Cristovam também alertou que o conceito de corrupção seria mais profundo, manifestando-se de maneira concreta nas prioridades que são eleitas por cada governante.
O professor da UFF ainda avalia que o governo, o Congresso e os movimentos sociais deveriam centrar forças num novo arranjo institucional visando compensar as profundas desigualdades regionais presentes na educação brasileira.
O consultor Marcelo Ottoni, do Senado, também participou e concordou que pode ser "ineficaz" implantar um regime de ensino integral num modelo educacional ruim. Também considera um desafio superar os desníveis regionais e entre as capitais e os municípios do interior, no que se refere à educação.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)